REVISTA PROCURANDO OS PERDIDOS – CAMPO MISSIONÁRIO
ENTREVISTA COM A MISSIONÁRIA ALESSANDRA LACERDA
DO PROJETO KUNHIMELA - MAPUTO - MOÇAMBIQUE
Atuar no Campo missionário
requer muito mais que boa vontade. Exige preparação teológica, psicológica e
determinação para enfrentar diariamente desafios que a grande maioria dos
cristãos não estaria disposta a enfrentar.
Para iniciarmos nossa série
de entrevistas com missionários escolhemos a Missionária Alessandra Lacerda,
que juntamente com seu marido, Missionário Lízias Cabral Filho estão à frente
do Projeto Kunhimela, da Igreja Batista Kunhimela, em Maputo, Moçambique.
Projeto
Procurando os Perdidos (PPP): Graça e Paz Missionária Alessandra?
Missionária
Alessandra: Graça e paz irmão Antônio
Carlos, antes de iniciar nossas respostas, gostaria de agradecer por nos
oportunizar apresentar nossa história bem como o trabalho missionário aqui em
Moçambique, sul do continente africano.
PPP: Conte-nos um pouco
sobre o seu chamado para o Campo Missionário.
Você nasceu
em um berço evangélico? Quando você sentiu que Deus a havia chamado para ser
missionária? Você está ligada administrativamente a alguma Junta Missionária?
Qual? Como foi sua preparação para atuar como Missionária Transcultural? Desde
o início de sua formação teológica você queria atuar em Moçambique ou o “acaso”
a conduziu até essa nação? Houve um período de aculturação ou você saiu da
Junta Missionária diretamente para Moçambique?
Ufa, vamos
com calma não é?
Missionária
Alessandra: Sou a filha mais velha de
três irmãos criados em berço evangélico e desde muito cedo estive envolvida nas
atividades voltadas para ensino, cuidado
e a pregação do evangelho.
Minha história de chamado missionário vem desde a
adolescência quando entendi que poderia fazer algo a mais do que eu já fazia.
Iniciei então, uma caminhada de preparo e serviços mais
direcionados a tal.
Em 2008, fomos para Belo Horizonte, onde existe a base da
JAMI - nossa junta de missões e lá fizemos o curso de especialização em
missiologia no CETRAMI, escola de missões da CBN, onde fomos preparados para o
trabalho como missionários transculturais.
Nunca me ative a um campo específico, sempre entendi o
chamado de Deus para onde Ele direcionasse. Dessa forma, pensamos em países
como Timor Leste, Burkina Faso entre outros. Entretanto, devido a uma
necessidade específica, fomos convidados a trabalhar em Moçambique. Devido à
necessidade vigente naquele momento, não tivemos um período de aculturação em
outro país.
PPP: Conte-nos
como foi a sua adaptação ao novo país e o que a fez ter a certeza de que havia
feito a escolha certa?
Missionária
Alessandra: Nossa adaptação foi
relativamente boa.
Muitas pessoas pensam que “falamos a mesma língua” pelo fato
de Moçambique ser uma colônia portuguesa. Entretanto, a dificuldade de
compreensão dos nossos irmãos nos preocupava muito, dessa forma, precisamos
modificar boa parte do material de trabalho a fim de alcançarmos os resultados
satisfatórios.
Outro ponto que vale relembrar é quanto ao transporte, pois
não tinhamos meio de transporte pessoal e isso dificultou muito nossos 04
primeiros anos de serviço. Mesmo assim,
ao nos depararmos com a realidade de Moçambique e do quanto nossos serviços
auxiliavam aos irmãos moçambicanos, tivemos a certeza de que Deus nos colocou
aqui a fim de colaborarmos com a expansão de Seu reino.
PPP: Quando
você e seu marido Lízias chegaram a Moçambique já existia o Projeto Kunhimela e
há quanto tempo vocês estão à frente do Projeto?
Missionária
Alessandra: Quando chegamos em
Moçambique nosso trabalho era com formação de obreiros nacionais e auxílio às
igrejas Batistas Renovadas da região sul de Moçambique. Após 06 anos servindo
aos irmãos moçambicanos, Deus nos direcionou mais especificamente para um
trabalho com um grupo pouco assistido aqui: - as crianças. Foi assim que o
KUNHIMELA nasceu. Embaixo de uma mangueira no quintal cedido pela dona da casa
onde alugamos.
Contávamos histórias bíblicas aos domingos, depois passamos a
contar durante a semana. Nos apresentamos aos líderes do bairro e foi então que
expusemos nosso desejo de ajudar com atividades em apoio à comunidade, dessa
forma, contamos hoje com aproximadamente 10 atividades com crianças, jovens e
adultos, além dos programas realizados pela igreja que também foi plantada no
mesmo local, já há 03 anos.
PPP: Quais
foram os principais desafios enfrentados por vocês no início das atividades do
Kunhimela e como é pregar o Evangelho onde predomina o curandeirismo e o
sincretismo religioso?
Missionária
Alessandra: Os desafios foram
incontáveis, desde a falta de mão de obra qualificada (tanto para a igreja
quanto para o projeto), adequação do local utilizado (as atividades acontecem
no quintal da casa que alugamos para viver) bem como a falta de segurança, pois
nossas atividades acontecem todos os dias, em horários diferentes. Sem sombra
de dúvidas, pregar o evangelho em meio à essa mistura de animismo e a prática
da chamada “religião tradicional africana” é algo extremamente delicado. Grande
parte da comunidade se diz adepta de alguma confissão de fé, porém, ao longo
dos anos vimos que essa é apenas uma desculpa para não serem convidados ao
evangelho transformador de Cristo, uma vez que existe uma dependência muito
grande “da benção dos antepassados” ou do escambo (trabalho ou qualquer tipo de
ajuda) através da religião. É muito comum você conversar com alguém que “é muçulmano”
pelo fato de trabalhar em um local onde os donos exigem que os funcionários
professem a sua fé entre outros.
PPP: Quais
são as atividades desenvolvidas pelo Kunhimela atualmente?
Missionária
Alessandra: Atualmente no projeto
temos:
- ensino pré escolar;
- reforço escolar;
- inglês;
- aulas de música;
- aulas de canto e teoria musical;
- corte e costura;
- artesanato;
- programa de assistência básica alimentação;
- Alfabetização de jovens e adultos;
- prática esportiva;
Além das atividades realizadas pela igreja com cultos,
visitas domiciliares, estudos bíblicos e atividades no âmbito social (palestras
informativos, bazar de novos e usados, entre outros).
PPP: Por
faixa etária, como estão distribuídas as atividades do Projeto?
Missionária
Alessandra:
- As atividades pré escolares atendem às crianças dos 03 aos
05 anos;
- O reforço escolar auxilia aos alunos do 1º ao 9º ano do
ensino fundamental;
- A alfabetização de jovens e adultos se destina a todos os
que não tiveram condições de frequentar a escola;
- A prática esportiva atende às crianças e adolescentes;
- As demais atividades são oferecidas de acordo com o desejo
e aptidão dos interessados em se tornarem alunos;
PPP: O
Kunhimela conta com quantos colaboradores? São renumerados ou voluntários?
Missionária
Alessandra: Atualmente temos em torno
de 15 colaboradores, sendo 06 na escola e os demais nas atividades de ensino as
quais foram designados. Como o projeto é totalmente sem fins lucrativos, cada
um dos nossos colaboradores são jovens cristãos que entendem a realidade do
projeto e recebem uma ajuda de custo mensal a fim de auxiliar nas despesas de
transporte e outras.
PPP: Como
são custeadas as despesas dos alunos do Kunhimela?
Missionária
Alessandra: As despesas geradas a
partir das atividades oferecidas aqui no projeto são custeadas por padrinhos,
madrinhas e outros (igrejas e anônimos) que se comprometem doando um valor
mensal durante um ano ou o faz quando tem condições.
PPP: Podemos
afirmar que o Kunhimela é mais que uma Instituição religiosa?
Missionária
Alessandra: Sim, uma vez que a igreja
surgiu a partir da necessidade de acolher aos jovens e adultos que sempre
questionavam “porquê fazíamos tantas
coisas de borla (de graça)”. Nesse
momento, explicávamos sobre o amor que gera esperança, transforma e nos dá a
oportunidade de transformar o nosso futuro a partir de uma nova perspectiva.
PPP: Sendo
assim, o que esperam passar de valores e princípios para as crianças e
adolescentes que são alcançados pelo Projeto e como elas poderão utilizá-los na
vida adulta?
Missionária
Alessandra: Eu sou fruto de uma igreja
extremamente envolvida com ação social e pregação do evangelho simples. Sempre
que posso, conto um pouco da minha trajetória e de como Deus nos trouxe para
Moçambique.
Ao longo desses 03 anos aqui, diariamente procuramos repassar
valores pautados na ética, moral e bons costumes. Valores que nos levam “além
das atuais perspectivas” de fracasso e desvalorização. Desse modo, tentamos
ajudá-los a perceber todo o potencial existente em cada um deles e assim,
despertar a capacidade de avançar um pouco mais com a ajuda de Deus.
PPP: Muito
importante a visão que vocês têm acerca do Projeto e como têm caminhado apesar
dos desafios. Como as pessoas, que se identificaram com o Kunhimela podem colaborar
financeiramente para que ele mantenha e amplie as suas atividades?
Missionária
Alessandra: Os interessados em
colaborar podem doar seu conhecimento em alguma área como missionário de curto
prazo, tornar-se um padrinho ou madrinha mensal do projeto ou ainda, ofertar um
valor simbólico para as atividades que realizamos como igreja junto à
comunidade. Além disso, é fundamental que cada um dos interessados em ajudar,
nos cubra com intercessão em favor das atividades bem como de cada um que
compõe esse todo no qual funcionamos: - professores, auxiliares, alunos,
missionários, nossa junta e igreja enviadora.
PPP: Olhando
para esses dez anos de atuação em Moçambique, você diria que valeu a pena toda
a luta e os desafios pelos quais passaram?
Missionária
Alessandra: Sem dúvidas!
Quando lembro dos olhares desconfiados das crianças para a
“mulunga” (branca) de fala engraçada e do cabelo grande que “não é mecha”
(aplique), meu coração revive a emoção de ouvir histórias de dor, mas também de
experiências incríveis do que Deus pode fazer!
Algumas crianças testemunharam que familiares foram curados
porque eles oraram a Deus e Ele as ouviu! Ter a certeza de que apesar de todos
os percalços ao longo dessa caminhada a semente tem dado lindos frutos é a
maior recompensa de que valeu a pena!
PPP: Sabemos
que o IDH de Moçambique é muito baixo, o que demonstra as dificuldades
enfrentadas pela população em todas as áreas: saúde, educação, alimentação e
formação profissional . Diante desses desafios que estão longe de serem totalmente
vencidos, quais as suas perspectivas em relação ao futuro do país e do Projeto
Kunhimela?
Missionária
Alessandra: Moçambique está hoje entre
os 05 países com o IDH mais baixo do mundo, mas isso só nos impulsiona a
seguir! Sempre aprendi que o “não eu já tenho”, então nunca desisitimos de
sonhar, foi assim que meus pais me ensinaram. Sonhamos muito, mas não nos
restringimos só a Moçambique. Esperamos em breve abrir novos núcleos do
projeto, seguirmos no treinamento de liderança a fim de que tenhamos o suporte
necessário para tão logo seja possível, alargarmos as fronteiras e alçarmos
novos voos.
PPP: Para
finalizarmos, qual mensagem e conselhos você gostaria de deixar para aqueles
que sentem um chamado para atuar em Missões Transculturais.
Missionária
Alessandra: É complicado aconselhar,
entretanto, acredito que seja importante não nos fecharmos à espera de um
chamado específico!
Deus nos quer usar onde estamos plantados e muitas vezes nos
atemos a uma espera desnecessária.
Ir além fronteiras é algo que exige abnegação e preparo. A
cada um dos que Deus tem dado essa convicção, se atenha à sua humanidade, já
que ninguém sabe tudo e não existe o “super missionário(a)”. Somos todos
falíveis e carecemos da graça e misericórdia de Deus.
Quando entendemos que a obra é Dele e Ele a torna confiável a
nós, temos muito mais probabilidades de obtermos êxito.
Que o Senhor nos continue direcionando a fim de que apenas
Sua vontade seja realizada em nós e através de nós.
PPP: Agradecemos a Deus por
sua vida, por seu empenho e dedicação incansáveis na obra que Ele te confiou.
Acreditamos que nossa entrevista servirá de incentivo para aqueles que têm um
chamado para Missões e também o fortalecimento da crença de que missões não se
faz apenas indo para o campo missionário, mas também com orações, divulgação e
contribuições financeiras para a manutenção dos missionários e dos projetos que
dirigem.
Que o Senhor a abençoe grandemente e continue te usando com
poder e autoridade, fazendo com que através do trabalhos das suas mãos vidas
sejam alcançadas, estruturadas, edificadas e fortalecidas nos caminhos do
Senhor.